Em 2009, publicamos um artigo científico, traduzido para o português, sobre a questão das vacinas nos pets. Jean Dodds, a veterinária autora da pesquisa, é totalmente a favor de imunizar os pets, mas defende que nossos cães e gatos estão sendo vacinados excessivamente, sem necessidade. E, mais importante: que esse aparente exagero de aplicações traz prejuízos reais à saúde de nossos pets. Jean Dodds não está sozinha nessa advertência. Muitos pesquisadores, médicos, veterinários, criadores e proprietários de pet no mundo todo compartilham dessa opinião.
Entretanto, por se tratar de um assunto polêmico e relativamente novo no Brasil, é natural que haja muita desconfiança e rejeição. Respeitamos opiniões discordantes. Achamos que cada um deve se informar de acordo com o que acredita ser condizente com sua filosofia particular e, principalmente, com o que considera ser melhor para seu animal ou paciente.
Recentemente recebemos um comentário, no post do artigo sobre vacinas, da médica-veterinária Alice, questionando alguns pontos importantes desse assunto. Achamos interessante publicar no site as perguntas feitas pela Dra. Alice e nossa resposta, que reflete o posicionamento pessoal do site Cachorro Verde.
Comentário feito pela Dra. Alice:
“As doenças infecciosas prevenidas pela vacina múltipla (cinomose, parvo, ect) têm uma incidência bem diferente aqui no Brasil e os EUA, onde os artigos de supervacinação foram escritos. Realmente, o (livro) Ettinger recomenda a vacinação a cada 2 anos, mas, onde ele tem clínica a cinomose e a parvovirose (só exemplos) não são endêmicas, você arriscaria? E acerca da proteção vacinal fraca contra as leptospiras, expirando em 6 meses, você é a favor da revacinação a cada 6 meses? Obrigada.”
Resposta do site Cachorro Verde:
“Oi Alice,
Essa discussão realmente é polêmica.
É verdade que essas doenças (cinomose, parvovirose, etc) têm maior incidência aqui no Brasil em relação aos Estados Unidos. Mas isso ocorre porque temos menos cães vacinados, e não porque vacinamos com menor frequência (o que aliás, não acontece). Não sou contra a vacinação. Sou contra o que considero um exagero vacinal. Qual é o perfil geral de cães acometidos por cinomose, adenovirose e parvovirose? Filhotes e jovens que não receberam uma correta série inicial de vacinas, ou que receberam vacinas não-idôneas ou mal conservadas, mal aplicadas.
É possível que cães adultos e idosos as contraiam? Sim. Mas quão provável é essa infecção em se tratando de animais adultos bem alimentados e bem cuidados, que tenham recebido uma série bem feita de vacinas de filhotes e alguns reforços? Pouco provável. Se os dados da literatura nos indicam que:
a-) a soroconversão dessas vacinas virais é considerada ótima,
e
b-) que se tratam de doenças que muito mais comumente acometem animais jovens,
não vejo porque devemos vaciná-los anualmente. Os reforços anuais não são cumulativos. Onde na literatura está escrito que as soroconversões virais oferecem proteção por um máximo de um ano? Será mesmo que uma boa série inicial de filhote e reforços a cada três anos – note: muito mais freqüentes do que o que se pratica em Medicina Humana – não sejam suficientes para conferir imunidade? Estudos estão mostrando que sim. Alguns deles, como é o caso dessa pesquisa com a (inativada) vacina anti-rábica, apontam um período de proteção superior a três anos. (A propósito, a própria Fort Dodge não indica para todos os casos a re-vacinação anual contra raiva: “Em áreas de alta incidência, revacinar anualmente.”) Imagine então a duração protetora que vacinas com vírus vivos modificados oferecem!
A obrigatoriedade da vacina anual contra a raiva mostra como a recomendação de re-vacinar os pets nada têm a ver com a “pressão de infecção”. Sabe-se que a raiva é uma das doenças melhor controladas no mundo. A casuística é bastante baixa e limitada a áreas rurais/silvestres. E mesmo assim re-vacinamos nossos pets urbanos – incluindo-se aí, felinos confinados em apartamentos – anualmente contra a raiva. A lei me obriga a vacinar meus pets. Mas o bom-senso me diz que isso é um exagero.
Em alguns bairros de São Paulo, cidade onde moro, a incidência de parvovirose ou cinomose é baixíssima. Adenovirose, então, a maioria dos clínicos que conheço sequer atendeu. Seus pacientes, em geral, são cães e gatos bem nutridos e bem cuidados, mantidos em locais limpos e protegidos. Grande parte vive em apartamentos, muitos deles – caso dos gatos – sem qualquer acesso à rua. Por que esses animais devem ser submetidos a reforços anuais massificados? Por que não praticar reforços mais espaçados e individualizados? Essa é uma das convenções que questiono. Já existem marcas renomadas em nosso mercado cujas vacinas permitem uma certa customização.
Veja, volto a repetir: de modo algum me coloco contra a vacinação. Acho imprescindível vacinar os pets. Critico o que considero um exagero, visto que não há argumentos científicos que justifiquem os reforços anuais contra parvovirose, cinomose e adenovirose. Todos os meus cães e gatos são vacinados. Mas procuro vaciná-los conforme os riscos que correm. Meus pets não frequentam rios, pântanos, regiões alagadiças em geral. Dormem em local seco e protegido. À noite, suas vasilhas de água são retiradas. E diariamente, são lavadas. Por que devo vaciná-los contra leptospirose? Teoricamente, eles correm o mesmo risco que eu: só vão pegar lepto se um rato urinar na nossa caixa d´água.
A vacina contra leptospirose é notadamente uma das mais alergênicas e menos duradouras (vacinas com bacterinas realmente são menos imunogênicas), o que exige a re-aplicação a cada 6 meses, conforme você apontou. Em minha opinião, é preciso haver motivos que justifiquem a aplicação semestral dessa vacina. Se o cão é freqüentemente exposto a essa doença, é incontestavelmente interessante que ele receba o reforço semestral. De preferência, com produto que contenha somente as leptospiras. (Me parece desnecessário inocular o cão com 10 antígenos semestralmente quando apenas 4 são de interesse.)
Em relação ao “você arriscaria?” perguntado por você, minha resposta é: não estou arriscando. Pelo contrário. Vacinar a cada três anos e individualizar o protocolo me parece mais razoável do que re-vacinar anualmente adotando uma conduta única. Estudos estão mostrando que as imunizações não são inócuas. Vacinar com uma periodicidade menor reduz os riscos de malefícios crônicos e auto-imunes associados à vacinação excessiva. E isso, a meu ver, é a questão mais importante por trás desse assunto.
Fonte: Cachorro Verde
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