Os primeiros anos de vida da criança, chamados de primeira infância, correspondem ao período que vai desde a concepção do bebê e gestação, até os seis anos de idade. É nessa etapa da vida que se desenvolvem as habilidades emocionais, físicas e cognitivas, principalmente nos três primeiros anos de vida quando áreas fundamentais do cérebro são desenvolvidas.
Também é nesse período que a criança aprende com mais intensidade a fazer, a compreender, a se relacionar e, inclusive, a desenvolver importantes valores a partir de suas relações na família, na escola e na comunidade.
Com as evidências produzidas no campo da neurociência, com imagens de tomografia e ressonância magnética, foi possível conhecer a estrutura e funcionamento do cérebro e reforçar o conhecimento da importância do período denominado de primeira infância para toda a vida. Pode-se verificar, por exemplo, que há períodos de maior formação de sinapses que constroem uma rede articulada entre os neurônios, fundamentais para uma arquitetura saudável do cérebro. Esses períodos são conhecidos por Janelas de Oportunidades, em que a aprendizagem de habilidades ou desenvolvimento de aptidões e competências acontece.
De acordo com a pesquisadora e professora da Escola de Enfermagem da USP e consultora técnica da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Anna Maria Chiesa, a criança deve receber um atendimento integral e integrado. Se o atendimento não ocorrer nessa perspectiva abrangente, não é possível trabalhar as diferentes dimensões do desenvolvimento. Isto só acontece quando se articulam diferentes ações centradas no desenvolvimento e clara intencionalidade neste sentido. Para a professora, além dos cuidados básicos de alimentação, imunização e higiene, sabe-se hoje que o carinho e a dedicação permeados pelo afeto e atenção são tão importantes quanto as vacinas, para o desenvolvimento integral, tanto físico como emocional e social da criança.
Desta forma, a família é elemento central para a criança uma vez que pode oferecer, nos primeiros anos de vida, um ambiente que promova o desenvolvimento integral de seus filhos.
É importante ressaltar a importância da criança ter suas necessidades atendidas, receber afeto e conviver num ambiente seguro. Toda a rede que envolve a família -principal responsável pelo cuidado nesse início da vida – deve compreender essa responsabilidade e desenvolver práticas promotoras do desenvolvimento integral.
O vínculo e o cuidado
Quando a criança estabelece vínculo através do amor e afeto com aqueles a sua volta, aumenta sua capacidade de processar estímulos e aprender. Estar vinculado significa estar atento, se dispor a entender o que a criança necessita e prover o cuidado adequado com carinho e atenção, e não de forma impessoal ou mecânica. Ao receber essa atenção qualificada, essa relação se desenvolve plenamente.
Anna Maria também enfatiza a importância da atenção. “Primeiramente família/cuidadores devem saber que essa atitude de atenção e afeto são muito importantes. Depois, devem aproveitar todos os momentos de contato com a criança para conversar, estimulá-la a participar do banho, da alimentação, do preparo para dormir e do brincar. No dia a dia a criança vai se percebendo amada e seu processo de desenvolvimento integral fica mais assegurado”.
Para a professora, os vínculos que a criança estabelece podem ter influências biológicas no seu desenvolvimento. Há um complexo mecanismo entre os sentimentos, as emoções e os hormônios liberados na corrente sanguínea. Doses excessivas e prolongadas de cortisol (hormônio do estresse) podem destruir sinapses. Se o estabelecimento de vínculos for de baixa qualidade, de forma progressiva e permanente a criança simplesmente não desenvolve suas potencialidades. O estresse tóxico pode ser evitado se assegurarmos que os ambientes nos quais as crianças crescem e se desenvolvem são acolhedores, estáveis e estimulantes.
Para que haja o vínculo é necessário que se tenha afeto. Quanto mais forte for o vínculo, mais facilitado e natural se tornará o processo de independência e autonomia da criança.
Proteção
De acordo com o professor de medicina e diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade Harvard, Jack Shonkoff, não há dúvidas de que as experiências da primeira infância influenciam o desenvolvimento da arquitetura do cérebro. E, consequentemente, tudo isso interfere na capacidade de aprender, no comportamento e na saúde física e mental. Os alicerces das estruturas física e intelectual, bases para vida adulta, se definem neste período, porém variam de acordo com as características individuais, condições de vida, organização familiar, cuidados e outros.
Segundo o especialista, nos primeiros anos de vida a criança precisa de proteção e cuidados. Quando ela é negligenciada ou maltratada, a comunicação entre o córtex pré-frontal e as outras regiões do cérebro é afetada e problemas de desenvolvimento e comportamento tendem a ser registrados.
Crianças criadas num ambiente sem rotina, inseguro emocionalmente, violento, perdem a capacidade de ligar e desligar os mecanismos de defesa, entre eles o estresse. Adversidades frequentes ou prolongadas levam ao estresse tóxico que prejudica o pleno desenvolvimento da criança. Entre as causas do estresse tóxico estão a violência e negligência – ou ausência de atenção e vínculo.
O papel da família e da sociedade é garantir a proteção. A melhor maneira de prevenir o estresse tóxico é atender as necessidades emocionais das crianças. Apoiar a criança e atender às suas necessidades, além de oferecer um ambiente seguro e positivo, previne os efeitos negativos do estresse e possibilita o pleno desenvolvimento da primeira infância.
A Família
Há muito a ser dito sobre o desenvolvimento da criança durante os primeiros anos de vida e o ambiente familiar ganha destaque, uma vez que é onde ocorrem as interações entre todos os envolvidos.
O papel dos pais na construção da personalidade de seus filhos é inegável, sendo a ‘parentalidade’ a grande oportunidade para investir com qualidade no desenvolvimento humano.
Como primeiro ambiente de acolhimento, proteção, cuidado e educação, a família desempenha um papel de extrema importância no desenvolvimento das crianças que se tornarão adultos saudáveis. As condições em que os pequenos vivem podem afetar diretamente o processo de desenvolvimento.
A família é a responsável por assegurar a sobrevivência do filho, o crescimento saudável e a socialização. É preciso dar carinho e estimular a criança no sentido de transformá-la num ser humano com capacidade para se relacionar com o mundo. A qualidade da relação deve incluir cuidados e estabilidade, uma vez que o cotidiano traz garantia ou risco para o desenvolvimento.
A professora Anna Maria Chiesa explica ainda que toda a rede que envolve a família (principal responsável pelo cuidado nesse início da vida) deve apoiar a inclusão de práticas promotoras do desenvolvimento integral. Especialmente na primeira infância, as experiências familiares são essenciais para o desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais.
Atualmente, não se pode falar de família como um núcleo composto somente de pai e mãe. Há uma família ampliada, composta por diversos membros e ainda os serviços utilizados por ela, como creches e escolas, então é importante ver a família inserida num contexto social.
Desta forma, a família (grupo de pessoas unidas para dar e receber amor) garante sua importância se constituindo como lugar indispensável para a sobrevivência e proteção integral do filho e demais membros, independentemente do seu arranjo ou da forma em que está estruturada. É a família que propicia o afeto e desempenha um papel decisivo no desenvolvimento infantil.
De acordo com a assessora técnica do programa Primeira Infância em Foco (PIF), do Departamento de Educação da Fundação FEAC, Adriana Nunes da Silva, é fundamental que nas escolas de Educação Infantil, as educadoras tenham conhecimento sobre as novas formas de organizações das famílias, se apropriando que independentemente da configuração estabelecida, os grupos familiares são compostos por pessoas que se relacionam em uma complexa teia de crenças, valores, sentimentos, emoções, projetos e histórias de vida.
“Estabelecer uma relação cordial e respeitosa com esse grupo é o primeiro passo para se pensar no desenvolvimento integral da criança, pois é muito importante a parceria escola-família”. Ainda nessa perspectiva a assessora completa que “olhar para o desenvolvimento infantil é olhar para a criança individualmente, e ter a aceitação que independentemente de processos mais lentos ou rápidos, o importante é que eles sejam contínuos. Escola e família, unidas, precisam olhar para a criança e adequarem as intervenções necessárias para o seu desenvolvimento integral”.
O Brincar
A brincadeira é o processo que ajuda a criança a explorar o mundo, reconhecer os ambientes, as pessoas e avançar no processo de aquisição de competências motoras, expressivas, de linguagem, cognitivas; que a faz deixar uma condição de extrema dependência para evoluir para um status de maior autonomia e independência.
O psicólogo suíço, Jean Piaget (1896-1980), observou e elaborou sua teoria a respeito das diferentes etapas do brincar na vida das crianças. Segundo ele, todas as formas lúdicas acontecem em algum momento no desenvolvimento do ser humano, porém o momento, a idade ou a especificidade variam de acordo com cada criança, cada grupo e os materiais e atividades disponíveis.
O brinquedo é um facilitador do desenvolvimento das atividades lúdicas, podendo ser utilizado de várias maneiras e contextos, tais como no brincar espontâneo, no momento terapêutico e no pedagógico.
Piaget mostrou em suas obras que os jogos não são apenas uma forma de alívio ou entretenimento para gastar energia das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Sua teoria adota a brincadeira como conduta livre, espontânea, que a criança expressa por sua vontade e pelo prazer que lhe dá. A criança se desenvolve de forma integral nos aspectos cognitivos, afetivos, físico-motores, morais, linguísticos e sociais e esse processo se dá a partir do conhecimento do mundo que a brincadeira proporciona. Nessa interação, a criança vai assimilando determinadas informações, segundo o seu estágio de desenvolvimento.
No decorrer do desenvolvimento integral, a criança cresce e compreende a realidade por meio de brincadeiras e do faz de conta. O crescimento infantil é acompanhado pelas brincadeiras, pelos jogos simbólicos que ela mesma inventa para construir conceitos e entender o mundo ao seu redor.
Segundo a também assessora técnica do PIF, Denilze Ricciardelli, o ato de brincar pode ser conduzido independentemente de tempo, espaço ou de objetos, uma vez que na brincadeira a criança inventa, reinventa, usa e abusa da sua imaginação. Assim como Piaget, Donald Woods Winnicott, Lev Vygotsky e outros teóricos, também defenderam a importância do brincar na infância. “A infância não existe sem o brincar. Por ser algo livre, não há modelos prontos de agir ou operar durante a brincadeira. Essa ação, privilegiada no desenvolvimento da criança, pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela possibilidade de interação entre os pares em uma situação imaginária”.
Parentalidade:
A parentalidade positiva pode ser definida como comportamentos dos pais baseados no melhor interesse da criança, que asseguram a satisfação de suas principais necessidades e sua capacitação; envolve cuidar, proteger e guiar a criança para a trajetória até a maturidade, com investimentos e compromissos.
Fonte: Fundação FEAC
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