Apesar das dificuldades, a adaptação ao modelo remoto de ensino-aprendizagem vem revelando um novo campo de possibilidades para pais, alunos e professores
A migração das salas de aula para as telas de celulares, tablets e computadores, durante a pandemia da Covid-19, alterou de forma ampla e irrestrita o modelo tradicional de ensino-aprendizagem.
Com isso, pais tiveram que acompanhar mais de perto o dia a dia escolar dos seus filhos e professores passaram a dedicar mais tempo no planejamento de aulas adaptadas às novas plataformas.
Mas, no meio de tantas mudanças, como fazer a criança - mais suscetível às dificuldades e distrações - se interessar pelas aulas online?
Manter uma rotina de estudo bem definida, com diálogo, respeito, parceria, mais criatividade e menos cobrança estão entre os estímulos que devem ser oferecidos pelos pais e escolas (Veja abaixo a lista na íntegra).
É o que sugere a psicopedagoga e psicomotricista relacional, Renata Pires. "O mais importante é que a família e escola se conectem nas suas essências e que, junto às crianças, tenham saúde mental e se mantenham aprendendo".
Perdas e ganhos
De acordo com a especialista, a atual situação não é "confortável" para ninguém. Ou "ideal" para o processo de ensino-aprendizagem, pois está gerando um acúmulo de perdas de conteúdo que vai se diluir somente ao longo dos próximos anos.
No entanto, as experimentações em aulas remotas também tendem a promover benefícios permanentes. No processo de adaptação, por exemplo, crianças ganharam capacidade de resiliência, puderam falar sobre o que as incomodavam, lidar com seus sentimentos e buscar soluções práticas para problemas reais.
As aulas online ainda trouxeram à tona deficiências antigas, cujas resoluções se tornaram urgentes.
"Os pais dizem: 'meus filhos estão conversando no chat e não acompanham a aula'. Mas será que na aula presencial eles estavam atentos e motivados? A maioria das crianças já vinha num movimento de muita falta de motivação. É um problema antigo e que agora ficou evidente", constata a psicopedagoga.
A desatenção também pode revelar ruídos na comunicação entre professor e aluno, que podiam já não se entender, mesmo presencialmente. "De um lado, havia o professor falando uma linguagem que não era a dos alunos e, do outro, alunos parados que iam aprender desesperadamente alguma coisa na véspera da prova, decorar".
Validação
Daí a importância de dar protagonismo aos alunos e permitir que tenham na sala de aula e dentro de casa um lugar de fala, onde suas ideias, opiniões e criações, muitas vezes menosprezadas ou silenciadas, sejam validadas.
"É muito importante que essa criança seja validada no que produz. O bonito não interessa, interessa o que ela produziu", corrobora o psicólogo especialista em Terapia Familiar Sistêmica, Álvaro Rebouças.
Para ele, a qualidade e a relevância do conteúdo repassado durante as aulas online suplantam a quantidade. Por isso, sugere que os conteúdos formais sejam mesclados com atividades lúdicas, a partir das quais a criança possa desenvolver as próprias habilidades.
"Toda criança adora contação de história, mas ela contar uma história que ela própria criou tem um outro significado e muito melhor. E isso dá para ser feito de muitas formas, com escultura de massinha, desenho, máscara. O principal dessa história é validar [o que a criança produziu]".
A hora certa
Para que essa validação ocorra, os pais devem respeitar o tempo da criança em cada etapa do processo de aprendizado, indica a professora da rede municipal de ensino em Fortaleza, Rebeka Silva de Sousa.
"A maioria dos pais não tem costume de sentar com o filho, de produzir uma atividade do começo ao fim, de entender o tempo da criança para pintar, cortar, fazer uma colagem, produzir um brinquedo com reciclável. Acaba perdendo a paciência e vai fazer pela criança".
O horário escolhido para o desenvolvimento das atividades escolares, especialmente com crianças menores, também merece atenção. O momento que os pais têm livre nem sempre é o ideal para a criança, que pode estar com sono, cansada ou impaciente. Por isso, é importante eleger um horário que seja viável para ambos.
Apesar de impor uma série de dificuldades e desafios, a pandemia poderá deixar contribuições positivas ao futuro do ensino, estima Renata Pires.
"Talvez nesse mundo pós-pandemia a gente tenha uma escola melhor em que os conteúdos fazem mais sentido, os alunos são mais ativos, a aprendizagem é mais significativa e a escola de fato prepara [a criança] para o que o mundo está pedindo. Não crianças capazes de repetir coisas, mas crianças e professores capazes de encontrar soluções para problemas difíceis".
O que os pais podem fazer?
1 - Rotina e disciplina
Mantenha uma rotina clara, estabelecendo direitos e deveres da criança. Ela deve estar ciente de suas metas diárias e das restrições que serão impostas, caso não cumpra suas obrigações escolares. Se ela irá ou não usar uniforme ou o local ideal e exclusivo para os momentos de estudo devem ser definidos previamente. De preferência, com a anuência da criança e da escola;
2 - Diálogo
Mantenha diálogo constante com a criança e dê feedbacks (retornos) à escola sobre o desempenho dela nas atividades. O diálogo é ainda mais necessário se o aluno tiver algum diagnóstico de hiperatividade ou ansiedade, por exemplo, ou apresentar outros tipos de problemas na absorção dos conteúdos. Esteja aberto a ouvir o que a criança e escola têm a falar;
3 - Parceria e respeito
Se mostre como um parceiro da criança, respeitando o seu tempo de aprendizagem. Não subestime as suas dificuldades e ajude-a a encontrar soluções. Isso não quer dizer que os pais devem fazer as atividades no lugar dos filhos. Evite essa prática. Os pais devem estender a parceria à escola e aos professores para que todos cheguem a um consenso, priorizando sempre o que for melhor para o aluno, a partir de suas especificidades;
4 - Menos cobrança
A cobrança extrema para que o aluno cumpra tudo o que for estabelecido pelos pais e pela escola, sem oferecer parceria ou apoio em troca, pode tornar o processo de aprendizado ainda mais complicado. Por isso, imponha limites, mas cobrando menos e apoiando mais;
5 - Mais criatividade
Assim como os professores, os pais também devem se esforçar para usar a criatividade e tornar o processo de aprendizado mais eficiente e prazeroso para seus filhos. Caso o conteúdo repassado na aula online não tenha ficado claro para a criança, procure outras alternativas para sanar as dúvidas, seja por meio de um desenho, de uma história, de uma brincadeira com marionetes, etc.;
6 - Apoio psicológico
Caso perceba que as aulas online e o próprio distanciamento social tenham provocado desgastes emocionais à criança, peça ajuda de psicólogos escolares ou de profissionais como um psicopedagogo. A escola é um lugar onde a criança desenvolve interações diariamente e os efeitos emocionais da falta de contato podem comprometer o aprendizado;
7 - Harmonia com a escola
Busque manter uma relação harmoniosa com a escola e professores. Se os familiares defendem um posicionamento, a escola e o professor outros, a criança tende a se sentir desamparada, desestimulada e desinteressada por não saber o que, de fato, importa;
8 - Abertura a adaptações
Esteja aberto às adaptações. A pandemia alterou a rotina de todos e a antiga carga horária de aula presencial não precisa, necessariamente, ser convertida em horas de aulas on-line. Se trata de um novo formato, com nova linguagem e em um novo contexto. Um longo tempo em frente à tela do computador pode ser cansativo para a criança e substituído por mais pesquisa e produção de atividades;
9 - Incentivo e elogio
O aprendizado on-line e o próprio contexto da pandemia são obstáculos enfrentados por adultos e ainda mais difíceis para as crianças. Por isso, sempre que possível, incentive e elogie o seu filho. Isso o estimulará a aprender, a recorrer mais à criatividade e a se envolver mais nas atividades;
10 - Acompanhamento
Com a quarentena, problemas de sala foram levados para dentro de casa. Por isso, mesmo com o fim da pandemia, busque acompanhar mais de perto o desenvolvimento escolar do seu filho, dando atenção a problemas como falta de concentração ou perda de interesse nos conteúdos repassados pela escola.
O que escolas/professores podem fazer?
1 - Diálogo e compreensão
Busque ser parceiro e compreensivo com os pais, deixando claro que o momento é de adaptação e dificuldade para todos, mas que a união e a harmonia tornarão tudo menos complicado. Com diálogo e flexibilização, é mais fácil chegar a melhores soluções;
2 - Adaptação e mais planejamento
Não caia na tentação imediata de transpor as exigências do modelo presencial para o modelo on-line. As plataformas digitais demandam planejamentos mais criativos e demorados. Por isso, é importante investir na ferramenta, tendo em vista que ela tem potencial para aguçar a criatividade, indicar novas saídas e desempenhar um papel importante no processo de aprendizagem, mesmo no pós-pandemia;
3 - Crianças em atividade
Priorize colocar o aluno em atividade, construindo, pesquisando, produzindo coisas que muitas vezes ele não poderia fazer no modelo presencial. Se possível, mescle conteúdos com atividades de estimulação corporal e artística, dando mais liberdade e protagonismo à criança. A interação e envolvimento em atividades lúdicas tendem a ser mais benéficos ao aprendizado do que longas horas de aula nos moldes tradicionais;
4 - Voz aos alunos
A escola é, acima de tudo, um lugar social. Por isso, dê voz aos alunos e permita a troca de experiências. A liberação para abertura dos microfones, por exemplo, permite a cada aluno interagir, exercitar o seu lugar de fala e ter um espaço para mostrar e se orgulhar do que está aprendendo;
5 - Apoio psicológico
Disponibilize apoio psicológico aos alunos, mantendo aberto o canal de diálogo com os pais e seus filhos. A escola deve estar aberta a ouvir o que as crianças estão sentindo e respeitar o tempo de aprendizado de cada uma delas;
6 - Incentivo
Sempre que possível, busque incentivar e elogiar alunos e pais no processo de aprendizagem. Afinal, a mudança de rotina e as restrições impostas pela pandemia são dificuldades enfrentadas por toda a família.
Escrito por Lígia Costa
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